domingo, 14 de março de 2010

Espanhóis x Astecas

A ajuda dos povos dominados e a superioridade técnica, com armas mais poderosas e o domínio da pólvora, são duas das possíveis razões para a queda do Império Asteca diante de Hernán Cortés e seus homens. Outra teoria diz respeito aos deuses, que tinham enorme importância naquela sociedade – o que pode explicar a fácil rendição do imperador Montezuma diante do invasor num momento interpretado por ele como o fim de um ciclo, cercado de profecias que apontavam para a volta do deus Quetzalcoatl para retomar seu reino. Montezuma teria enxergado Cortés como o próprio Quetzalcoatl. Como a teoria fatalista não seria compartilhada por todos os astecas, a rendição do imperador não foi bem aceita – e ele foi morto com uma pedrada de origem incerta. Cortés teve de enfrentar o novo imperador, Cuauhtémoc, que não aceitava o domínio estrangeiro. Aí entrou a superioridade tática: "Cortés contraria a chamada 'guerra florida' dos astecas, uma espécie de balé com hora marcada, em vez da emboscada, por exemplo", diz Leandro Karnal, professor de História da Unicamp e autor de Teatro da Fé – Representação Religiosa no Brasil e no México do século XVI. "Com isso, em 13 de agosto de 1521, Tenochtitlán [a capital do império] cai. Cortés foi um homem hábil politicamente, muito carismático, que soube arregimentar a simpatia dos índios."Malinche tornou-se fundamental para os planos do conquistador porque, como diz Bernal, "Cortés, sem ela, não podia entender os índios". Apesar da importância estratégica e de ser mãe do filho do espanhol, Malinche foi novamente entregue. Dessa vez, por Cortés para um companheiro de expedição, Juan Jaramillo. Ela se casou, ganhou a liberdade e teve uma filha, Maria. Não se sabe quando Malinche morreu – acredita-se que foi em 1529, mas algumas fontes falam em 1551.Mais de três séculos depois de sua morte, o filósofo e lingüista Tzvetan Todorov afirmou em seu livro A Conquista da América: "É verdade que a conquista do México teria sido impossível sem ela". Todorov destacava a importância da linguagem em todo o processo de domínio da civilização asteca e dos povos ao redor por Cortés. E explicava, assim, a dimensão que o nome de Malinche tomou no país. Não só sua imagem mudou ao longo dos séculos, mas também a importância atribuída a ela. "Na época da conquista, ela era respeitada. Não foi só tradutora e amante, tinha influência", afirma Leandro Karnal. "Depois da independência, o México construiu a identidade do asteca como ancestral de sua nacionalidade, como um povo feliz, o que é uma visão romântica. Então ela vira a traidora. Sua imagem só começa a ser reabilitada nos anos 80, quando a importância da comunicação, da mulher e dos aliados indígenas cresce nas análises históricas."Houve muita violência na conquista da América. Mas o que alguns especialistas contestam hoje é que a chamada "visão romântica" nega o outro lado: a crueldade dos astecas com os povos dominados, que incluía uma enormidade de sacrifícios humanos em nome dos deuses. "A figura do espanhol não foi vista como a de conquistador num primeiro momento, por isso tantos povos se uniram a ele. Cortés liderou um exército de indígenas, Malinche não era a única ao seu lado", afirma o historiador José Alves de Freitas Neto, da Unicamp. Para Todorov, a índia que ajudou a Espanha a dominar o México "anuncia o estado atual de todos nós, inevitavelmente bi ou triculturais". O problema é que a mistura que Malinche representa é vista até hoje como impura em seu país, atrelado ao passado romântico. Com isso, a população não reconhece nela o que Octavio Paz chama de "Eva mexicana" – ou a mãe simbólica de todo um povo.

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